Querido Diário...

      


      O sangue brilhava sobre o chão do banheiro. O sangue que escorria do braço e da mão de Rafaella. A lâmina ensangüentada estava sobre a pia. As lágrimas no rosto dela haviam secado e toda a dor que estava em seu peito parecia ter desaparecido.
      Rafaella lavou a mão na pia. Os cortes eram um pouco profundos e ainda sangravam. Rafaella fez um curativo na mão com gaze e esparadrapo, isso serviria para disfarças os cortes.
      Era tarde de domingo e a mãe e o irmão de Rafaella haviam ido para a igreja, então ela estava sozinha em casa. Uma maldita briga fora capaz de trazer tudo o que Rafaella havia enterrado. Tudo. Rafaella foi para seu quarto e pegou seu diário.

                                                                                                                                      17/04 – 22:17
Querido diário, hoje eu sedi à dor e fiz novos cortes no meu pulso e na minha mão mais profundos dessa vez. Esse tipo de coisa está acontecendo com mais freqüência do que nunca. Antes eu conseguia passar um, dois meses sem recorrer à lamina, agora eu não consigo passar nem mais uma semana...
      Eu sou fraca e tola, por trás dessa máscara de garota forte e insensível há um coração que sangra e eu estou cansada de ter que esconder isso... As pessoas olham para mim e vem apenas um rostinho bonito e uma garota dramática, mas ninguém tenta entender os motivos pelos quais eu sou assim, ou faço isso... No fundo, eu só não acabo logo com tudo isso porque me importo demais com aqueles que dizem me amar.


Rafaella fechou o diário e deitou-se na cama. Ela simplesmente deixou que as lágrimas escorressem por seu rosto. Ela chorou por horas, até o cansaço finalmente vencer a dor.
      Na manhã seguinte Rafaella levantou-se mais cedo que de costume e arrumou-se para ir à escola. Sua maquiagem era basicamente preta, bem carregada nos olhos. Ela passou apenas um gloss rosa nos lábios.
      Quando Rafaella chegou à escola ela foi direto para sua sala de aula. Ela sentou-se na ultima cadeira da fileira do canto como era de costume. Ela abaixou a cabeça e ignorou todos a sua volta.
      — OI Rafa — falou Graziella ao chegar à sala de aula.
      Rafaella levantou a cabeça e sussurrou um ‘Oi’. Graziella percebeu que ela não estava muito bem, então resolveu deixá-la um pouco sozinha com seus pensamentos.
      A primeira aula deles seria de Educação Física, então Rafaella poderia ficar sozinha. Todos estariam praticando algum esporte. Ela havia tirado a gaze do braço então isso não serviria como desculpa para não participar da aula.
      Quando a turma desceu para o pequeno ginásio da escola, Graziella viu os cortes na mão de Rafaella. Ela puxou o braço de Rafaella e estendeu a manga do casaco para que pudesse ver seu braço.
      — Você voltou a se cortar? — perguntou Graziella com a voz um pouco alta demais.
      — E daí? — foi só o que Rafaella respondeu.
      — Você sabe que isso não é um comportamento normal, não é?
      — Minha vida não te diz respeito, então me deixa em paz!
      Rafaella caminhou mais rapidamente e entrou no ginásio. Ela sentou-se próxima a quadra de basquete, onde poderia ficar sozinha. Ninguém a perturbaria ali. Ela ligou seu MP4 e colocou na pasta de músicas de Within Temptation.
      Eu não vou chorar, ela jurou para si mesma. Rafaella ainda estava abalada emocionalmente e se permitisse que toda a dor a invadisse novamente as conseqüências poderiam ser mortais.
      Um garoto sentou-se ao seu lado. Seu cabelo castanho ficava na altura do queixo e pendia em cachos angelicais. Seus olhos também eram castanhos. Se Rafaella não estivesse tão deprimida ela  teria dito ‘Oi’.
      — Não se importa se eu me sentar aqui com você, não é? — falou ele sorrindo.
      Rafaella simplesmente balançou a cabeça negativamente. Ela olhava para o chão sob seus pés, o que não costumava fazer ao conversar com um garoto.
      — Sabe, não é legal ver uma garota tão bonita assim tão triste desse jeito.
      Sim, Rafaella era mesmo muito bonita. Tinha a pele branca e delicada — parecia uma bonequinha de porcelana —, seus olhos eram negros como a noite, seu cabelo loiro escuro ficava na altura da costela. Ela também tinha o corpo perfeito, sempre arrancava elogios dos garotos por onde passava e até causava inveja em algumas garotas. Mas para Rafaella tudo era insignificante.
      — Não deixe que um rostinho bonito te engane — respondeu ela, um pouco rude, olhando nos olhos do garoto.
      — Briga com namorado?
      Rafaella voltou a encarar seus pés. Ela soltou um suspiro alto e balançou a cabeça. Ela simplesmente respondeu:
      — Antes fosse tão fácil assim.
      — Então o que foi?
      — Não acha que está sendo intrometido demais, não? Eu nem conheço você. Porque acha que eu lhe contaria meus problemas?
      O garoto levantou as mãos em posição de rendição e disse:
      — Desculpe — seu tom de voz era suave. Ele levantou-se e antes de sair do ginásio completou: — E a propósito, eu sou Daniel.
      Daniel era um garoto muito bonito fisicamente. Sua pele era branca e bronzeada e ele tinha o corpo musculoso. Ele teria arrancado suspiros de Rafaella se eles não tivessem se conhecido naquelas circunstancias.
      Ele estava no terceiro ano do ensino médio. Era um aluno muito dedicado e adorado por todos os seus professores. Rafaella também era uma boa aluna, mas a constante preguiça lhe impedia de ser melhor.
      Após as duas aulas de Educação Física Rafaella foi para o pátio da escola para o primeiro intervalo. Apenas uma imagem tomava conta da mente dela: O rosto de Daniel. Toda a dor e agonia que lhe queimavam por dentro pareciam ter desaparecido. Um sorriso se formou em seu rosto.
      — Bom ver que você está sorrindo — falou Daniel sentando-se ao lado dela.
      — O que você quer? — perguntou ela novamente com o tom rude.
      — Eu descobri uma coisa: Eu não sei o seu nome.
      — É Rafaella.
      — É um nome muito bonito.
      E desde aquele dia Rafaella e Daniel conversavam em todos os dois intervalos, todos os dias.
      Duas semanas se passaram e Rafaella não fez nem um novo corte em seu corpo e nem se sentiu mais triste e deprimida. Ela estava se curando e devia isso a Daniel. Ela estava conhecendo a paixão.

                                                                                                                                    02/05 – 13:32
Querido diário, pela primeira vez não estou escrevendo para fala sobre meus dramas ou aflições... Eu estou feliz e devo isso a um garoto. Acho que finalmente encontrei alguém por quem descongelar meu coração.

I think I’m fell in Love with a boy... Can be?


Sim, Rafaella pudera provar as doces ilusões trazidas pela paixão. Mas isso era mesmo uma coisa boa? Bom, se ela estava feliz não poderia ser algo ruim.
      No dia seguinte, no primeiro intervalo Daniel estava disposto a ficar com Rafaella. Ele estava encantado por sua beleza e delicadeza. Ele também estava apaixonado.
      Quando ele avistou Rafaella ele caminhou em sua direção e a puxou pelo pulso para um canto afastado na pequena área verde da escola — a Natureza como alguns alunos chamavam.
      — Mas o que...? — tentou perguntar Rafaella, mas os dedos em seus lábios a impediram de continuar.
      — Shhhh — sussurrou ele.
      Ele tocou o rosto dela levemente e ela fechou os olhos para que pudesse absorver o máximo daquele momento. O coração de ambos batia aceleradamente. E então seus lábios se tocaram e eles tiveram a certeza de que pertenciam um ao outro.
      Durante as três semanas seguintes os dois ficavam em todos os intervalos. A cada beijo e a cada toque eles ficavam ainda mais apaixonados um pelo outro. Não podia haver nada mais perfeito que aquele sentimento recípocro.
      — Seja minha namorada — falou Daniel, seu tom parecia ser mais como uma ordem que um pedido.
      — Eu não diria não a nenhum pedido que você me fizesse — respondeu Rafaella.

                                                                                                                                       24/05 – 19:53
Querido diário, a cada dia que passa eu tenho mais certeza de que encontrei um anjo... Um ser perfeito e que foi enviado para me resgatar das trevas que me consumiam; para me salvar de mim mesma e me mostrar que existem sentimentos que não devem morrer.
      Agora eu tenho plena certeza de que amo Daniel.


Daniel terminou o ensino médio com dezoito anos. Rafaella estava ainda no terceiro com apenas dezesseis anos.
      O tempo e a distância não fez o amor dos dois diminuir, esse sentimento só cresceu.
      Passados quatro anos, Daniel resolveu pedi-la em casamento. Ele a amava e queria que ela fosse sua até a morte os separar.
      Eles estavam na praça de alimentação de um shopping e uma banda tocava a música favorita de Rafaella — All I need de Within Temptation — Ele havia colocado uma pequena surpresinha no fundo da taça de sorvete dela. Quando ela terminou sua sobremesa um sorriso enorme brotou em seu rosto.
      — Isso...? — ela não conseguiu terminar a frase, a emoção lhe travou a garganta.
      — Sim — respondeu Daniel. — Você quer se casar comigo?
      — Sim, sim sim! — respondeu ela sorrindo.
      Os dois se abraçaram por longos segundos e finalmente se beijaram.
      Dois anos depois quando Daniel terminou sua faculdade de direito e Rafaella estava no ultimo semestre de medicina eles se casaram.
      A festa de casamento foi bem simples, algo para cerca de 50 convidados; alguns familiares e amigos mais íntimos. O amor dos dois foi o bastante para emocionar a todos. Os dois se amavam mais que tudo e tosos podiam ver isso.


                                                                                                                                     19/02 – 11:50
Querido diário, ontem eu li todas as coisa que escrevi há 6 anos atrás e fiquei me perguntando: Se eu não tivesse conhecido meu anjo Daniel, minha vida ainda seria encoberta por uma nuvem negra? Bom, isso eu não sei, mas eu sei que devo a ele toda a alegria que sinto, foi ele quem me deu um motivo para respirar, ele me deu algo em que acreditar.
      E hoje minha resposta é: Sim. Sim o amor pode curar todas as feridas, é o bastante para se fazer brotar uma flor onde há espinhos. É a única coisa que realmente importa. Hoje eu percebo o quanto estava sendo tola ao fugir desse sentimento tão mágico. Amar vale a pena.
      Estou no carro indo para meu apartamento com meu anjo. Essa é a ultima vez que lhe escrevo, estou aqui para me despedir, e quem sabe um dia essas minha palavras também ajudem a salvar uma alma.

E aquela magia entre os dois jamais acabou. Eles viveram todos os dias amando um ao outro e ainda continuaram apaixonados. Eles tiveram um casal de filhos, uma garota com cabelo divinamente encaracolado e um garoto com o cabelo loiro e liso.
      O amor deles durou uma vida inteira e perpetuou no coração de seus descendentes. Seus filhos, netos e bisnetos já nasceram sentindo um pouco daquela magia para que o amor dos dois jamais tivesse um fim, mesmo depois de eles findarem sua existência.


Rita Cruz

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